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A Revolução Espanhola foi o conjunto de mudanças econômicas e sociais que ocorreram durante a guerra civil espanhola (1936 - 1939) nas regiões controladas pelos anarquistas da CNT-FAI e trotskistas do POUM, especialmente na Catalunha e Aragão. Nessas regiões, a maior parte da economia industrial e agrária foi autogestionada, o desemprego abolido, os salários igualados, e em alguns lugares o dinheiro e a propriedade privada foram abolidos em favor do comunismo libertário.

Precedentes

A economia espanhola teve um crescimento rápido desde o final do século XIX até o início do século XX. Em especial, as indústria mineira e metalúrgica lucraram e se expandiram enormemente durante a primeira guerra mundial, fornecendo insumos a ambos os lados. Entretanto, os resultados desse crescimento não se refletiram em mudanças nas condições sociais. A agricultura, sobretudo na Andaluzia, continuou em mãos de latifundiários, que deixavam grandes extensões de terra sem cultivar. Somava-se a isto a presença forte da Igreja Católica, que se opunha às reformas sociais e se alinhava aos interesses da elite agrária. Finalmente, a monarquia espanhola se apoiava no poder militar para manter o seu regime. O fim da monarquia e o advento da república (1931) nada mudou nesta configuração política básica, com o agravante de que esses setores se mantiveram monarquistas e tentativas de golpe se tornaram constantes.

Junto com o crescimento da economia, houve o crescimento do movimento operário. Após a fundação do primeira sociedade operária em Barcelona (1840), o movimento cresce e se espalha pelo país. Desde o início, e principalmente na Catalunha, que é a principal região industrial da Espanha, o anarquismo cria raiz e é a tendência política mais popular entre os operários. A principal confederação sindical, a CNT (Confederación Nacional del Trabajo), sob influência anarco-sindicalista, se recusa a participar da política partidária. Os trabalhadores nela organizados a controlam em regime de democracia direta. Nenhum cargo é pago. Os sindicatos, além de usar a ação direta como meio para defender os interesses dos trabalhadores, criam escolas e várias atividades educativas, que procuram suprir a inexistência de uma educação pública estatal, mas também divulgar os valores e práticas anarquistas.

A Comuna das Astúrias

A Comuna das Astúrias foi um evento premonitório do que viria a ocorrer dois anos depois. Em 5 de Outubro de 1934, uma insurreição conjunta dos socialistas (UGT) e dos anarquistas (CNT) contra o governo de direita fracassou em todo o território espanhol, exceto nas Astúrias. Nessa região, os trabalhadores da CNT e UGT haviam trabalhado juntos, numa colaboração que foi realizada muito mais pelas bases do que pelas lideranças de cada organização. Em Gijon, barricadas foram construídas imediatamente. Os mineiros de Oviedo acorreram à defesa da capital. A fábrica de armas caiu em mãos dos operários. As indústrias metalúrgicas trabalharam dia e noite para fabricar mais armas. Entretanto, a cidade já havia sido cercada pelas tropas marroquinas de Franco. A cidade resistiu até 18 de Outubro, e durante o período de combates, conselhos operários foram responsáveis pela organização da resistência.

A eleição da Frente Popular

Os conflitos ocorridos nos anos precedentes levaram 30.000 militantes à prisão. Para avaliar-se o tamanho da cifra, vale lembrar que o exército regular espanhol dispunha do mesmo número de praças. A distribuição de força política, segundo o Ministro do Interior espanhol, estava assim dividida nos primeiros meses de 1936:

Esquerda

  • CNT - 1.577.000 militantes
  • UGT - 1.447.000 militantes
  • Comunistas - 133.000 militantes

Direita

  • Afiliações várias - 549.000 militantes
  • Forças armadas - 20 a 30.000 praças
  • Falange - 50.000 militantes
  • Igreja - 50.000 padres e monjes

As eleições se aproximavam. A direita estava conspirando abertamente, e caso perdesse a eleição, estava disposta a tomar o poder através de um golpe militar. Sob esta realidade, a CNT realizou um congresso em Saragoça, onde a opinião do grupo Nosotros prevaleceu. Durruti afirmou que a despeito do resultado das eleições, a classe trabalhadora seria forçada a lutar contra o fascismo nas ruas, à bala. Por esta razão, pela primeira vez em sua história, os anarquistas não fizeram propaganda pela abstenção ao voto, pois teriam mais chances de vitória lutando contra um golpe militar do que contra um governo estabelecido.

Entretanto, nem por isso os espanhóis confiaram no governo de esquerda recém eleito. Muitos latifundiários fugiram para o exterior, abandonando suas terras. Muitos dos que ficaram, se recusavam a recontratar trabalhadores despedidos ilegalmente. Neste contexto, terras começaram a ser ocupadas pelos camponeses, e em muitas localidades, a cultivaram coletivamente. Essas expropriações ocorreram por iniciativa dos próprios camponeses, inclusive filiados à UGT, em Cenicientos, Múrcia, Salamanca, Cáceres, Badajoz, e numa tal velocidade que o governo, temendo provocar uma revolta ainda maior, decidiu enviar às ocupações engenheiros agrônomos ao invés de soldados.

Com a iminência do golpe de Estado, as tensões entre Igreja e trabalhadores aumentou. A Igreja incitava à violência armada. Armas foram encontradas em sacristias. Igrejas foram queimadas.

Após a vitória da Frente Popular, a coalizão de esquerda, as ocupações e greves se multiplicaram. Com a fuga de muitos capitalistas, empresas começaram a ser "coletivizadas", isto é, a ausência do patrão era resolvida com o recurso à autogestão. Os próprios trabalhadores se organizavam em democracia direta para gerir as empresas. Isto não fazia parte do programa da Frente Popular, muito pelo contrário. Tudo isto foi feito por iniciativa dos próprios trabalhadores, à revelia do governo. Outro fator importante, é que uma onda grevista e de ocupações de fábricas estava atingindo a França no mesmo período, e os espanhóis tinham conhecimento disso.

19 de Julho

No dia 18 de Julho de 1936 começou o golpe militar, no Marrocos, em Córdoba e em Sevilha. Na madrugada de 19 de Julho, os militares foram surpreendidos pela resistência popular em Barcelona. Na semana anterior, depois que o governo se recusou a reconhecer a iminência de um golpe e a armar a população, o Sindicato de Trabalhadores em Transportes localizou e tomou posse de armas encontradas em navios estacionados no porto. Na noite do dia 18, já haviam patrulhas de trabalhadores circulando na cidade, em carros marcados com a sigla CNT-FAI. Carteiras sindicais eram usadas como salvo-conduto. Ao amanhecer os confrontos entre exército e trabalhadores já haviam começado, e o governo se recusava a fornecer armas a uma multidão que havia se aglomerado em frente ao palácio de governo. Finalmente, um dos guardas de assalto (policial) entregou sua arma a um trabalhador. Outros fizeram o mesmo.

Os combates duraram até a manhã do dia 20. Entretanto, o dia 19 fôra suficiente para desorganizar toda a hierarquia estatal. Com o governo hesitando e os militares rebeldes atacando, muitos soldados e guardas de assalto se juntaram aos trabalhadores para lutar a seu lado e impedir o golpe. Com a vitória do dia 20, parte do aparato policial estava derrotado (golpistas), e a outra parte já era indistingüível dos militantes revolucionários.

A Revolução

Durante os combates, clérigos participaram ativamente em favor dos militares golpistas, atirando nas pessoas do alto de suas igrejas. No dia 20, igrejas foram queimadas. De fato, até dinheiro foi queimado. Os ataques foram direcionados aos símbolos da antiga sociedade, que deveria ser substituída por outra, com outros valores. As "coletivizações" se universalizaram, e praticamente toda a economia de Barcelona caiu em mãos dos sindicatos. Restaurantes públicos, instalados nos hotéis para alimentar os combatentes durante a resistência ao golpe, permaneceram abertos ao povo. Os hospitais foram os primeiros a se autogerirem, seguidos das padarias, indústrias farmacêuticas, campo, indústrias metalúrgicas, companhias marítimas, estradas de ferro, bondes e ônibus. Conselhos operários foram organizados para coordenar tudo, de milícias a cabeleireiros.

O exemplo dos cabeleireiros ajuda a ilustrar o que estava ocorrendo na economia: antes da Revolução, haviam muitas barbearias pequenas, muitos desempregados, e os que estavam empregados trabalhavam longas horas por dia. Após terem tomado posse das barbearias, os cabeleireiros decidiram fechar várias delas, reduzindo a competição entre locais próximos. Além disso, todos os barbeiros foram admitidos, resultando na diminuição das horas de trabalho para cada indivíduo. Como o lucro deixou de ser subtraído pelo patrão, eles passaram a receber mais, e a poder reinvestir em seus instrumentos de trabalho, melhorando o atendimento.

Jimenez de la Beraza, um coronel de artilharia, assombrado com essas mudanças, teria dito: "De um ponto de vista militar existia um caos assustador, mas o que importava é que o caos funcionava", e teria aconselhado a não perturbá-lo, "porque ele encontraria seu próprio equilíbrio e organização em si próprio."

Milícias revolucionárias foram organizadas para avançar até Saragoça, que havia caído em mãos dos rebeldes, e estas também se organizaram em democracia direta. Elas foram formadas a partir de apelos públicos (ninguém foi obrigado); os "comandantes" (chamados de delegados) eram eleitos pelos próprios milicianos, e seu mandato poderia ser cancelado a qualquer momento, se estes perdessem a confiança de seus "subordinados". A disciplina era livremente aceita. "Nós o seguimos porque ele se comporta bem. Se ele mudasse, nós perderíamos o respeito e o deixaríamos". Para evitar a ociosidade, milicianos eram enviados para ajudar na colheita, quando não eram necessários no front. Isto também ajudava-os a criar vínculos com as populações que estava defendendo.

Homens e mulheres participaram das milícias, sem distinções de sexo. Mulheres passaram a freqüentar lugares públicos antes vedados a elas. Os hospitais passaram a fazer abortos. Mulheres começaram a ser treinadas para conduzir bondes.

No campo, as mundanças foram ainda mais evidentes: "Eles queimaram todos os santos. Deus foi jogado fora, e como Deus não existe mais, a assembléia decidiu substituir a palavra 'adeus' (adiós) por 'saúde' (salud). Na igreja nós instalamos a cooperativa de produtos agrícolas, e como tudo é coletivizado [gratuito], todo mundo usa a cooperativa." De fato, em várias localidades o dinheiro foi abolido ou substituído por cupons de consumo. O objetivo era tornar gratuito tudo que fosse possível, e racionar o que não fosse, de forma que ninguém pudesse, por exemplo, adquirir sapatos novos toda a semana, mas que tivesse acesso a um par novo quando precisasse. Essas mudanças eram decididas pelo próprio povo do lugar, jamais impostas de fora. Todas as correntes políticas participavam das assembléias nos vilarejos, e as funções eram delegadas de acordo com a conduta passada de cada um, não importando sua afiliação política anterior.

Morte da Revolução

As decisões do congresso da CNT em Saragoça, em 1936, recomendavam que a confederação sindical colaborasse com os outros partidos para derrotar o fascismo e realizar a Revolução. Enquanto alguns anarquistas, como Durruti, acreditavam que a Revolução fosse a única forma de derrotar o fascismo, outros, como García Oliver, colocaram a ênfase na colaboração. Formado no dia 20 de Julho, o Comitê de Milícias Antifascistas era um órgão colegiado que contava com representantes de todas as agremiações políticas e sindicais de importância na Espanha, e que de fato constituía um governo paralelo. Este comitê não seria capaz de impedir a Revolução, mas com o objetivo declarado de obter o apoio bélico das democracias burguesas ocidentais e da URSS, procurou não incentivá-la e mesmo freá-la. Por sua iniciativa, um exército regular foi treinado, e almejou-se substituir as milícias por este; armamentos ficaram cada vez mais escassos para as milícias; proibiu-se que mulheres participassem das milícias armadas; perseguições e assassinatos políticos ocorreram, principalmente contra o POUM, mas também contra anarquistas; e especialmente, evitou-se divulgar no exterior as mudanças que haviam ocorrido, para não assustar os governos estrangeiros.

Essa política não resultou em nenhum benefício prático. As potências ocidentais não apoiaram a república espanhola, e a URSS vendeu pouco armamento em troca do tesouro nacional e maior influência para o partido comunista espanhol, que era diminuto. Já os golpistas receberam armamento, conselheiros militares e até tropas alemãs e italianas. A guerra durou até 1 de Abril de 1939, e a Revolução foi esmagada militarmente.

Referências

categoria:anarquismo categoria:história da Espanha categoria:revoluções